Introdução
A Doença de Refsum é parte de um grupo de doenças genéticas chamadas leucodistrofias, que danificam progressivamente a bainha de mielina das células cerebrais, afetando diversos sistemas do organismo1. É um transtorno hereditário autossômico recessivo, um erro inato do metabolismo, causada pelo acúmulo de ácido fitânico no sangue e tecidos, pela incapacidade de metabolização do organismo1,2, onde o defeito herdado consiste em um bloqueio da oxidação alfa desse ácido2, havendo uma deficiência no metabolismo pelos peroxissomos3-5. Autores sugerem que o acúmulo do ácido fitânico inicia a morte celular dos astrócitos, ativando a rota de apoptose mitocondrial3-5. O ácido fitânico constitui 10 a 30% dos ácidos graxos no plasma2, e tem como precursores substâncias contendo clorofila e fitol1.
Os primeiros casos da doença foram relatados em 1945 por Sigvald Refsum, a propósito de 4 pacientes de 2 famílias distintas, que denominouheredophathia ataxia polyneuritiformis, atualmente sendo conhecida como Doença de Refsum1.
A Doença de Refsum é uma doença neurológica rara caracterizada principalmente por neuropatia sensorial, ataxia cerebelar, anosmia, retinite pigmentosa, pele seca, deformidades esqueléticas e ictiose, sendo mais comum em crianças ou adultos jovens de origem escandinava2,6-7. Os pacientes com Doença de Refsum sofrem também de neurodegeneração e distrofia muscular3, podendo apresentar hipotonia, areflexia/hiporeflexia e hemiplegia/hemiparesia. O acúmulo de ácido fitânico em tecidos graxos da mielina, coração, fígado e retina é que leva às alterações citadas7.
No início do quadro são comuns manifestações oculares como cegueira noturna e restrição concêntrica do campo visual, em virtude da retinose pigmentar que se instala1. O prognóstico desta doença é reservado, progredindo os sintomas algumas vezes até cegueira completa e surdez, freqüentemente aumentando e diminuindo de intensidade. As recidivas são bastante irregulares, estando correlacionadas com o grau de aumento das proteínas liquóricas2.
A Doença de Refsum é de difícil e complexo diagnóstico7, realizado mediante análise cromatográfica do plasma2, sendo confirmado pela presença de acidemia fitânica6.
A terapia consiste numa dieta com baixo teor de fitol2 e clorofila, por exemplo, frutas, vegetais e manteiga1. No entanto, sabe-se que a restrição da dieta com ácido fitânico, não é totalmente suficiente para prevenir os surtos agudos da doença e nem estabilizar seu curso progressivo7.
Considerando que o paciente com Doença de Refsum pode apresentar inúmeras alterações motoras, decorrentes do comprometimento neurológico, surge a necessidade da intervenção fisioterápica, juntamente com o tratamento clínico, visando um melhor prognóstico e qualidade de vida do paciente.
Portanto, nosso objetivo é relatar um caso da doença de Refsum, enfatizando a importância da fisioterapia no prognóstico dos pacientes acometidos, tendo em vista sua importância, já que na revisão da literatura encontrou-se poucos artigos relacionados a essa doença rara.
Descrição do caso
Paciente da raça branca, 52 anos, sexo masculino, viúvo, filho de pais consangüíneos, primos de 1º grau, com cinco irmãos filhos dos mesmos pais, procedente de Osório/RS, com diagnóstico de Doença de Refsum. Paciente em 1991 teve diagnóstico de retinose pigmentar com evolução para amaurose bilateral em 1 ano. Em 2004 iniciou perda gradual de funcionalidade motora apresentando discinesias. Em 2005 parou de deambular, necessitando da utilização de cadeira de rodas e em poucos meses, após falecimento da esposa, iniciou quadro de demência, alucinações, alteração de sensibilidade e aumento do comprometimento motor, evoluindo para falta de controle de tronco, não conseguindo permanecer sentado.
O paciente foi internado no Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre/RS-Brasil no início de agosto de 2006 por queixa de disfagia e piora do quadro geral, onde foi diagnosticado portador da Doença de Refsum.
Em sua história familial, destacaram-se os seguintes fatos: (1) dois irmãos com hipertensão arterial; (2) um casal de irmãos com hipertensão arterial e uso de óculos; (3) um irmão com surdez; (4) avô paterno faleceu com quadro de demência e incapacidade motora de locomoção. Apresentou hipertensão arterial e meningite bacteriana com 22 anos.
A tomografia computadorizada de crânio, de novembro de 2005, mostrou acentuação de sulcos e cisternas, moderada dilatação ventricular com infiltrado subependemário, e pequenas calcificações residuais. Em agosto de 2006, o mesmo exame demonstrou atrofia cerebral e cerebelar com lesão isquêmica parietal à direita; e na ressonância magnética, atrofia cerebral e cerebelar com diminuição volumétrica dos pedúnculos cerebelares superiores.
Na avaliação fisioterápica o paciente apresentou nistagmo horizontal, hipertonia em membros inferiores, passividade no leito, hipotonia de tronco, afasia, discinesias em membros superiores, teste neurológico Mingazini de membros superiores e inferiores positivo, deficiência visual e auditiva.
Na avaliação específica pré e pós intervenção, para verificar a influência da fisioterapia no prognóstico do paciente, foi usado o índice de Barthel modificado8, para a avaliação da funcionalidade do paciente e a escala de Ashworth modificada9, para avaliação do tônus muscular.
O índice de Barthel é um método quantitativo para avaliação do grau de independência na realização de atividades de vida diária (AVD´s), que permite uma ampla graduação entre máxima dependência (10 pontos) e máxima independência (50 pontos)8. O paciente relatado, obteve pontuação 11 na avaliação pré intervenção, indicando grande dependência para realização das AVD´s. A escala de Ashworth modificada é um dos métodos mais utilizados para avaliação do tônus muscular em pacientes com comprometimento neurológico, cuja pontuação varia de 0 (sem aumento do tônus muscular) a 4 (membro afetado rígido em flexão ou extensão)9. O paciente obteve na avaliação pré intervenção pontuação 2, ou seja, apresentou aumento evidente no tônus muscular, sendo o segmento afetado, facilmente movido.
Durante a hospitalização, o paciente recebeu atendimento de fisioterapia duas vezes ao dia, exceto nos dias em que estava fora do quarto realizando exames e procedimentos da enfermagem. Mediante o quadro clínico, foram realizados os seguintes procedimentos fisioterápicos: mobilizações articulares gerais de membros superiores e inferiores; exercícios passivos e ativo-assistidos de membros inferiores; dissociação de cintura pélvica; exercício passivo e ativo-assistido de membros superiores usando diagonais primitiva e funcional de FNP (técnica de iniciação rítmica); exercício ativo-assistido de ombros e cotovelos e ativos de punho e metacarpos; exercícios isométricos para membros inferiores e membros superiores; trocas de decúbito no leito; posicionamento do paciente sentado no leito e poltrona; mobilizações ântero-posteriores e látero-laterais de tronco superior na posição sentada; estimulação para controle de cabeça, controle de tronco e reações de equilíbrio e endireitamento na posição sentada; na mesma posição, trabalho de transferência de peso látero-lateral e ântero-posterior.
Após 50 dias de internação hospitalar, o paciente apresentou melhora das discinesias, discreta melhora do controle de tronco, melhora do quadro de demência e do estado geral. Na avaliação através do índice de Barthel modificado, o paciente demonstrou discreta melhora da funcionalidade, pontuando 14 pontos, e segundo a escala de Ashworth modificada, o paciente apresentou diminuição da hipertonia, com graduação 1+ (leve aumento no tônus muscular). Paciente permaneceu internado devido a complicações pulmonares decorrentes da longa permanência hospitalar.
Discussão e conclusão
A Doença de Refsum, sendo do grupo das doenças genéticas - leucodistrofias, pode ter associação com consangüinidade, apesar dos estudos não mostrarem de maneira específica essa relação.
O quadro de alterações motoras não é especificado nos estudos, pois depende do acometimento no sistema nervoso central, sendo que as características apresentadas no paciente relatado estão de acordo com a literatura revisada.
A terapia descrita para a Doença de Refsum é somente a baixa ingestão nutricional de derivados do ácido fitânico. Não foram encontrados estudos sobre a reabilitação dos pacientes com Doença de Refsum e a atuação e importância da fisioterapia nesses casos, sendo que o paciente portador dessa doença, como relatado no estudo, apresenta diversas alterações e distúrbios da cinesia funcional, nas quais é fundamental a atuação da fisioterapia. A recuperação da função motora e a melhora da qualidade de vida são muito importantes para o paciente neurológico10, sendo que o objetivo mais importante da fisioterapia, na reabilitação de paciente com alterações neurológicas crônicas é alcançar o maior grau de independência do paciente11. O tratamento fisioterápico tende a retardar a perda da função motora paralelo ao processo neurológico degenerativo que é irrevercível. Através da fisioterapia é possível minimizar ou evitar as aderências articulares e atrofias musculares, prevenir úlceras de pressão, oferecendo ao paciente alternativas de conforto e independência nas AVD´s, melhorando a qualidade de vida e tornando os movimentos mais funcionais, como comprovado no caso relatado.
Conclui-se que é fundamental a atuação da fisioterapia na reabilitação de paciente com Doença de Refsum. Ressalta-se aqui, a importância do estudo, visto que na literatura não foram encontrados artigos relacionando a fisioterapia com a doença de Refsum, portanto, torna-se necessário a realização de maiores estudos que relatem e comprovem a efetividade da fisioterapia na recuperação e reabilitação desses pacientes.
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